Eça de Queirós visita o Egipto, a Palestina, a Síria e o Líbano, acompanhado pelo conde de Resende, nos finais de 1869 e inícios de 1870. Essa curta peregrinação irá marcar a sua escrita, designadamente em obras como A Relíquia. O Oriente exercia, nos finais do século XIX, um fascínio indisfarçável sobre a cultura europeia, desde a erudição orientalística até à produção operática e à literatura.
Neste trecho de A Relíquia, é interessante verificar-se a aparente equidistância e visível reverência com que se refere a Buda, a Maomé e a Jesus Cristo. Outra observação cultural, que provavelmente reflecte o espírito da época, bem como a visão europeia sobre o Oriente, é a sugestiva perplexidade com que descreve o cenário contrastante e decepcionante em que Jesus Cristo teria vivido.
«Nunca me foi dado percorrer os Lugares Santos da India em que o Budha viveu arvoredos de Migadaia, outeiros de Veluvana, ou esse dôce valle de Rajagria por onde se alongavam os olhos adoraveis do Mestre perfeito quando um fogo rebentou nos juncaes, e Elle ensinou, em singela parabola, como a Ignorancia é uma fogueira que devora o homem alimentada pelas enganosas sensações de Vida que os sentidos recebem das enganosas apparencias do Mundo. Tambem não visitei a caverna dHira, nem os devotos areaes entre Meca e Medina que tantas vezes trilhou Mahomet, o Propheta Excellente, lento e pensativo sobre o seu dromedario. Mas, desde as figueiras de Bethania até ás aguas caladas de Galilêa, conheço bem os sitios onde habitou esse outro Intermediario divino, cheio de enternecimento e de sonhos, a quem chamamos Jesus-Nosso-Senhor: - e só nelles achei bruteza, seccura, sordidez, soledade e entulho.
Jerusalem é uma villa turca, com viellas andrajosas, acaçapada entre muralhas côr de lôdo, e fedendo ao sol sob o badalar de sinos tristes.
O Jordão, fio dagua barrento e pêco que se arrasta entre areaes, nem póde ser comparado a esse claro e suave Lima que lá baixo, ao fundo do Mosteiro, banha as raizes dos meus amieiros: e todavia vede! Estas meigas aguas portuguezas não correram jámais entre os joelhos dum Messias, nem jámais as roçaram as azas dos anjos, armados e rutilantes, trazendo do céo á terra as ameaças do Altissimo!»
(Eça de Queirós, A Relíquia; Biblioteca Nacional Digital: http://purl.pt/7/)
Neste trecho de A Relíquia, é interessante verificar-se a aparente equidistância e visível reverência com que se refere a Buda, a Maomé e a Jesus Cristo. Outra observação cultural, que provavelmente reflecte o espírito da época, bem como a visão europeia sobre o Oriente, é a sugestiva perplexidade com que descreve o cenário contrastante e decepcionante em que Jesus Cristo teria vivido.
«Nunca me foi dado percorrer os Lugares Santos da India em que o Budha viveu arvoredos de Migadaia, outeiros de Veluvana, ou esse dôce valle de Rajagria por onde se alongavam os olhos adoraveis do Mestre perfeito quando um fogo rebentou nos juncaes, e Elle ensinou, em singela parabola, como a Ignorancia é uma fogueira que devora o homem alimentada pelas enganosas sensações de Vida que os sentidos recebem das enganosas apparencias do Mundo. Tambem não visitei a caverna dHira, nem os devotos areaes entre Meca e Medina que tantas vezes trilhou Mahomet, o Propheta Excellente, lento e pensativo sobre o seu dromedario. Mas, desde as figueiras de Bethania até ás aguas caladas de Galilêa, conheço bem os sitios onde habitou esse outro Intermediario divino, cheio de enternecimento e de sonhos, a quem chamamos Jesus-Nosso-Senhor: - e só nelles achei bruteza, seccura, sordidez, soledade e entulho.
Jerusalem é uma villa turca, com viellas andrajosas, acaçapada entre muralhas côr de lôdo, e fedendo ao sol sob o badalar de sinos tristes.
O Jordão, fio dagua barrento e pêco que se arrasta entre areaes, nem póde ser comparado a esse claro e suave Lima que lá baixo, ao fundo do Mosteiro, banha as raizes dos meus amieiros: e todavia vede! Estas meigas aguas portuguezas não correram jámais entre os joelhos dum Messias, nem jámais as roçaram as azas dos anjos, armados e rutilantes, trazendo do céo á terra as ameaças do Altissimo!»
(Eça de Queirós, A Relíquia; Biblioteca Nacional Digital: http://purl.pt/7/)