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Abr 04

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Wolfgang, o jovem aprendiz de arqueólogo, trabalhava pela primeira vez no Egipto, realizando o sonho tantas vezes sonhado. Naquela manhã, começara, como era hábito, o dia muito cedo, acompanhado pelos guftis, oriundos do Alto Egipto, e que, havia gerações, tinham aprendido o ofício com Sir Flinders Petrie. Era meio-dia e o sol fazia-se sentir, intenso, escaldante. Na base do tell, os guftis pareciam saber com exactidão o que era preciso fazer. As crianças da aldeia vizinha arremedavam os forasteiros e desafiavam-nos. Ao longe, pela vereda que, sinuosa, conduzia à aldeia, vislumbrava-se um egípcio rotundo, montado num jumento, também ele atormentado pela canícula.


Bruscamente, sem aviso, o ar ficou mais carregado e o céu tornou-se alaranjado. De início uma escassa brisa, que se transfigurou rapidamente num vento forte e seco. Ahmed, o gufti mais velho, de tez enegrecida e com a pele vincada pelo tempo, sentenciou, fixando a sua expressão altiva e vivida nos olhos de Wolfgang: hamsin! É o hamsin!


Tempestade de areia, vento cortante, o hamsin obscureceu gradualmente a luz do sol. A areia, transportada pelo vento, fustigou as faces dos homens, agachados, procurando refúgio onde podiam. Os olhos semi-cerrados de Wolfgang aperceberam-se da chegada de Hassan, o egípcio rotundo que desmontou com dificuldade o pobre asno.


O hamsin ficara-lhe na memória como uma metáfora. Um vento forte, perturbador e traiçoeiro, a que ele resistira com dificuldade. Outras vezes se haveria de lembrar do hamsin, apesar de não ter voltado mais ao Egipto. Ficara-lhe como uma lição de vida, uma imagem das tempestades que, mais tarde ou mais cedo, se enfrentam. Quantas vezes, quando atormentado por uma qualquer contrariedade, não murmura para si mesmo: é o hamsim! É o hamsin!   


Memórias, Otto Ernst.


 

publicado por Francisco Caramelo às 02:17

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