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Abr 04

«O homem prudente vê o perigo e desvia-se; os ingénuos passam e sofrem os danos.»


Provérbios 27, 12

publicado por Francisco Caramelo às 15:35

道可道、非常道。名可名、非常名無名天地之始有名萬物之母。故常無欲以觀其妙、常有欲以觀其徴。此兩者同出而異名。同謂之玄。玄之又玄、衆妙之門。


The Tao that can be followed is not the eternal Tao.


The name that can be named is not the eternal name.


The nameless is the origin of heaven and earth


While naming is the origin of the myriad things.


Therefore, always desireless, you see the mystery


Ever desiring, you see the manifestations.


These two are the same—


When they appear they are named differently.


This sameness is the mystery,


Mystery within mystery;


The door to all marvels.


 


Tao Te Ching [Trad. de Charles Muller]


http://www.hm.tyg.jp/~acmuller/contao/laotzu.htm

publicado por Francisco Caramelo às 08:53

Zoltán Biedermann encontra-se no Irão. Eis o relato que faz da sua viagem.


Desde que cheguei a Teerão, há oito dias atrás, que ando a calcorrear este país estranho sem conseguir encontrar nem tempo, nem lugar para vos escrever. É de Bandar Abbas, porto quente e húmido à beira do Golfo, que agora me reconecto ao mundo virtual. Mas para ser correcto, devo voltar atrás aos planaltos do Irão e começar tudo desde o princípio. E custa. Teerão é um monstro urbano aparentemente semelhante a tantos outros do Terceiro Mundo. Espraia-se por um planalto poeirento e ventoso, tem 10 milhões de pessoas e três milhões de carros muito mal cheirosos, e quando se anda de um lado para o outro nunca se demora menos de uma hora, sempre a percorrer vias rápidas infindáveis, seguindo em filas enervantes e, muitas vezes, sanguinárias. A residência universitária que nos acolheu fica no meio de um bairro, muito central, que lembra os subúrbios industriais pré-segunda-guerra de Budapeste, e embora brilhe por um certo luxo na arquitectura exterior, a limpeza deixa imenso a desejar. Finalmente, ao tentarmos fazer um pouco de zapping antes de adormecer, nada encontrámos que não fossem mullahs a garantir ao seu povo que a felicidade aqui cresce nas árvores (que árvores?), mullahs a maldizer "o inimigo" Israel, e ainda mullahs a salmodiar de modo quase tão enervante e sanguinário como as filas automóveis o Sagrado Alcorão. Tudo parecia encaixar tão bem, até que, no dia seguinte à chegada, as coisas se começaram a complicar. Primeira surpresa, uma estranha sensação de familiaridade que me vinha pelo lado centro-europeu: os iranianos e as iranianas, tão contrariamente ao nobre povo de Portugal, adoram andar a pé. Nos feriados, a primeira coisa que fazem, além de se meterem no carro para saírem dos infernos urbanos que são todas as suas cidades, e irem até à montanha e começarem a caminhar. A festa nacional do Ano Novo, o famoso Nourouz, é antes de mais nada uma festa de caminhadas pela natureza. Vai-se à montanha para cheirar a natureza, ver com os olhos o que a poesia exalta há mil anos com incomparável artifício. E o feriado em que comecei a tomar o pulso a Teerão, o dia 20 de Abril, aniversário da morte do Imam Reza, não foi diferente. Do lado Norte, a capital do Irão sai do planalto e trepa pelos sopés de uma serra imensa. Os cumes, ainda brancos, que se elevam a mais de 4000 metros de altitude, brilham por cima dos bairros ricos como um belíssimo chamariz. E lá vão eles, os e as teeranenses, munidos de botas de montanha ou não, andando por encostas íngremes, gozando as vistas, namoriscando sem se preocuparem com as récitas corânicas que alguns altifalantes teimam, ainda ali, em difundir. A segunda surpresa já está introduzida: longe de se deixarem oprimir em toda a sua vida pessoal, os jovens de Teerão (e de jovens é feito este país, onde mais de 60 por cento da população tem menos de 35 anos) são uns atrevidos de primeira. Aliás, mais correctamente, as jovens é que são. Passamos por elas, temendo as piores reprimendas policiais se dermos o menor dos sinais de interesse (porque é isso que vem descrito no Lonely Planet), e elas põem-se a chuchotar, a rir e a comentar cada um de nós com o maior descaramento possível. Põem-se, para maior embaraço ainda, a questionar-nos sobre isto e aquilo, quando é óbvio que só nos querem observar de perto o maior tempo possível (até que algum polícia ou guardião da revolução, enervado com a situação, lance um olhar temível e a coisa se acalma). Elas que, claro está, por baixo das vestes ridículas que a lei prescreve vestem tudo e todas as cores que as nossas miúdas também vestem (e note-se que não estou a falar da lingerie parisiense que, segundo certos rumores, hoje já se pode descobrir). Terceira surpresa, os jovens iranianos (termo redundante, como já disse), são expostos a lavagem cerebral diária pela televisão e pela imprensa, mas não deixam de nutrir-se da melhor literatura, a qual vão buscar a uma filada incrível de livrarias situadas em proximidade à universidade. Ali em Enqelab Avenue, cada loja vende livros, e há mesmo um centro comercial inteiro só com livrarias. O que melhor vende não são as parvoeiras dos mullahs (essas lojas estão quase todas vazias) mas sim as traduções de literatura ocidental, os livros de informática e os métodos de aprender inglês, alemão e francês. Quem nos dera esta fome de saber, este entusiasmo e esta abertura de espírito. Quem nos dera entrarmos só uma vez em cada mês numa livraria e tirarmos da estante, para o folhear ou comprar, um volume de poesia persa. Quarta surpresa, e com esta termino por hoje, este regime está podre, corrupto e para além de todos os critérios do bem e do mal (vamos lá ver se me censuram esta), mas tem uma coisa essencial que o distingue dos idos regimes de Leste, ainda chorados por alguns idealistas entre nós: este regime, ao contrário dos comunismos e socialismos reais, está podre de rico. Tem dinheiro à farta e sabe muito bem onde o deve investir. Investe-o na aparente felicidade das suas gentes, na educação da sua juventude, na manutenção de milhares de rotundas verdejantes e espampanantes que se espraiam pelos planaltos a par e passo. Investe-o, já se entendeu, na nutrição de uma enorme ilusão, e hoje encontrei a prova de que, em certos casos, o ilusionismo funcionou: acabo de discutir durante mais de uma hora as vantagens e desvantagens das democracias de cá e de lá, e não consegui demover o meu interlocutor, um simpático estudante de engenharia, filho de professores esclarecidos e bem pagos, da sua posição inicial: o Irão é uma democracia, e se bem que ela seja um pouco sui generis, na generalidade tudo está OK. Aliás, tudo o que há de mau por cá também há em versão bem pior lá. Para que não pensem que tudo é deprimente, prometo contar histórias mais alegres nos mails que seguirão. Prometo, claro está, sob a condição de encontrar um computador a funcionar e de não me derreter, amanhã, durante uma viagem de onze horas que me vai levar de volta aos planaltos desérticos ao Sul de Teerão. Contarei as histórias de Isfaao e de outros lugares mágicos, e a pureza do perfume das flores sob o céu estrelado da Pérsia.


Zoltán Biedermann

publicado por Francisco Caramelo às 00:21

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