Álvaro de Campos, uma vez mais. O heterónimo de Fernando Pessoa reflecte nesta ode a geografia simbólica da civilização no seu tempo e, em particular, as representações estereotipadas de Oriente. O Oriente como o berço da civilização, o Oriente exuberante e faustoso, o Oriente espiritual, o Oriente como a origem do Ocidente Joga com uma sucessão de antinomias implícitas que opõem Ocidente ao Oriente e que aprofundam a ideia do Outro e de uma alteridade que é também estruturante do conceito e da consciência que temos de nós próprios.
«(
) Apanha-me do meu solo, malmequer esquecido,
Folha a folha lê em mim não sei que sina
E desfolha-me para teu agrado,
Para teu agrado silencioso e fresco.
Uma folha de mim lança para o Norte,
Onde estão as cidades de Hoje que eu tanto amei;
Outra folha de mim lança para o Sul,
Onde estão os mares que os Navegadores abriram;
Outra folha minha atira ao Ocidente,
Onde arde ao rubro tudo o que talvez seja o Futuro,
Que eu sem conhecer adoro;
E a outra, as outras, o resto de mim
Atira ao Oriente,
Ao Oriente donde vem tudo, o dia e a fé,
Ao Oriente pomposo e fanático e quente,
Ao Oriente excessivo que eu nunca verei,
Ao Oriente budista, bramânico, sintoísta,
Ao Oriente que tudo o que nós não temos,
Que tudo o que nós não somos,
Ao Oriente onde quem sabe? Cristo talvez ainda hoje viva,
Onde Deus talvez exista realmente e mandando tudo... (
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«Dois Excertos de Odes», Álvaro de Campos